3.8.09

Entrevista com o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues

Por Natália Mazotte

Sérgio Rodrigues, jornalista e escritor, nasceu em 1962. Mineiro de Muriaé, na Zona da Mata, vive há trinta anos no Rio, onde se formou em Jornalismo na ECO-UFRJ. A carreira de Rodrigues foi construída a partir do jornalismo. Começou a trabalhar no jornal "Folha de S. Paulo", em 1984, como repórter no Rio de Janeiro. Migrou para o "Jornal do Brasil", onde foi correspondente em Londres; foi subeditor do jornal "O Globo", editor da “Veja Rio”, editor-executivo da equipe que criou o jornal esportivo “Lance!” e diretor de redação da Rede Globo. De 2004 a 2007, foi editor-executivo e colunista da extinta revista eletrônica “NoMínimo”. De atitude bastante simpática em relação à internet, hoje mantém um blog de crítica literária no portal Ig, o “Todo prosa”. Seja para falar de literatura, televisão ou futebol, a palavra para ele é tudo.
É autor do recém-lançado romance “Elza, a garota” (Nova Fronteira), que mistura ficção e pesquisa histórica para dar vida a um episódio obscuro da Intentona Comunista. O sucesso do livro lhe valeu um convite para a Festa Literária Internacional de Parati (Flip), de 1 a 5 de julho deste ano. Lançou ainda o livro de contos “O homem que matou o escritor” (Objetiva, 2000), um sucesso de crítica atualmente na segunda edição, e o romance “As sementes de Flowerville” (Objetiva, 2006), distopia cheia de humor negro com ritmo de graphic novel. Dentre suas publicações também estão o volume de crônicas “What língua is esta?” (Ediouro, 2005) e o “Manual do Mané” (Planeta, 2003), uma paródia das obras de auto-ajuda.
Nessa entrevista, realizada na ocasião da visita de Rodrigues à sua antiga faculdade para falar sobre a FLIP, o jornalista-escritor simpático e de pinta cavalheiresca nos brinda com um pouco de sua história nos dois ofícios que, por escolha ou por vocação, sempre fizeram parte da vida do mineiro.


Como você começou no jornalismo? Qual a sua formação?

Eu me formei aqui na UFRJ, na ECO. Entrei em 1980 e me formei em 1983. E comecei a trabalhar logo. Durante a faculdade eu até considerava fazer um mestrado, seguir uma linha acadêmica, mas logo que entrei no mercado de trabalho, eu desisti disso. Achei que seria mais interessante outro caminho. O jornalismo era muito absorvente, fascinante e eu rapidamente desisti desse caminho acadêmico e não me arrependo. Não me considero de saída do jornalismo, mas meu trabalho de escritor está ganhando um espaço cada vez maior. Mas eu ainda tenho um carinho muito grande pelo jornalismo. E foi isso. Tive uma formação simples, de qualquer estudante. Antes de me formar, eu já tinha feito alguns estágios no jornal O Globo e no Jornal dos Esportes. Depois de formado, o meu primeiro emprego de verdade foi no Jornal do Brasil, que era o sonho de todo mundo na época que queria trabalhar com imprensa escrita. Era ainda uma fase muito legal do Jornal do Brasil. Foi em 1984 que eu entrei. Era uma época muito efervescente, um mercado muito ágil. Você recebia propostas de mudar de um lugar para o outro recebendo muito mais e eu acho que de certa forma era mais fácil de construir uma carreira. Eu saí do Jornal do Brasil chamado pela Folha de São Paulo. Depois o Jornal do Brasil me tirou da Folha e eu fiquei como correspondente do JB em Londres, com 25 anos de idade. Eu acho que tinha mais oportunidade na imprensa tradicional, formal. Hoje as oportunidades são até maiores, mas é tudo mais fragmentado. O mercado da imprensa tradicional, sobretudo no Rio de Janeiro, esfriou muito, está mais parado, estagnado. Em parte porque é uma coisa da nossa época mesmo, o mercado tradicional vive uma crise, e em parte por características do Rio, da decadência do Jornal do Brasil, da falta de concorrência forte para a O Globo.

Como foi sua passagem como subeditor no O Globo?

Eu trabalhei no O Globo em dois momentos. No fim dos anos 90, a crise financeira do Jornal do Brasil chegou a um ponto de começar a influenciar negativamente o trabalho da redação. Eu estava a muitos anos no JB, há uns seis anos ou mais, e recebi um convite do O Globo e aceitei. Primeiro, eu fui subchefe de reportagem e depois subeditor da Editoria Rio. Saí de lá para participar da equipe que criou a Veja Rio, em 91/92. E agora, em 2000/2001, eu voltei para O Globo como editor do Segundo Caderno. Nessa época, eu já estava algum tempo direcionando o meu trabalho para a área de literatura. Eu já tinha feito esporte. Meu primeiro emprego no Jornal do Brasil foi na editoria de esporte. Tanto que quando apareceu a oportunidade de ir para Londres, foi muito por conta da Fórmula 1, porque eu era especializado em automobilismo e foi a época em que o Ayrton Senna surgiu com uma força enorme. Todos os jornais de efeito tinham que mandar alguém para acompanhar mais diretamente a Fórmula 1 porque tinha anúncio de patrocinador, o que era uma coisa que eles não estavam acostumados a fazer. Quase todos os dias, a chamada de primeira página era sobre Fórmula 1 devido à febre Senna. Um pouco antes de virar editor do Segundo Caderno, eu fiz um projeto muito legal com o Arthur Dapieve. Nessa época, eu não era funcionário do jornal, mas estava lá todos os dias como prestador de serviços, durante dois anos. O projeto era uma coleção chamada Globo 2000, que saía em fascículos semanais e contava a história do século XX, podendo ser encadernados. Quando acabou o Globo 2000, me chamaram para ser editor do Segundo Caderno.

Você teve uma passagem pela Rede Globo também. Como foi essa transição do meio impresso para a televisão? Você sentiu alguma diferença no tipo de jornalismo feito?

Senti muita diferença. Essa migração da imprensa escrita para a televisão não é muito comum. E também não era uma coisa que eu desejasse, que fosse um sonho. Nunca tinha tido esse sonho, ao contrário de muita gente. Eu gostava de escrever mesmo. Claro que se escreve na televisão, mas eu gostava de texto longo, texto impresso. Mas aí aconteceu. Eu estava na Veja Rio há quatro anos. Era editor quando o Evandro Carlos de Andrade, que era diretor de redação do O Globo, foi chamado para revolucionar o jornalismo da TV Globo. Ele era do grupo das Organizações Globo, talvez o maior jornalista de renome ali dentro, e quiseram dar uma sacudida no jornalismo da TV, que eles consideravam muito cosmético. Queriam dar uma dose de jornalismo de verdade. E o Evandro foi para lá. Pelo acordo feito por ele com o pessoal das Organizações, ele tinha direito a levar poucas pessoas do jornal. A equipe dele estava toda no jornal. As pessoas de confiança dele, que ele tinha formado, estavam ali, mas ele não podia levar todo mundo, senão o jornal sofreria muito. Quando ele chegou na TV tinha um monte de cargos de confiança, de chefia, que ele precisava preencher e queria gente vinda do jornalismo impresso para isso. Ele me procurou lá na Veja Rio. Eu o conhecia muito superficialmente. Tinha trabalhado com ele no O Globo, mas não tinha um contato próximo. Ele tirou pessoas de alguns lugares e me tirou da Veja Rio para ser chefe de reportagem da TV Globo, no Rio de Janeiro. Junto comigo foi também o Fábio Altman, que na época era repórter especial da Veja Rio. E fomos nós dois. O Fábio para ser editor regional do Rio e eu para ser o chefe de reportagem, que eu logo transformei no cargo de chefe de redação, dentro das mexidas que nós demos lá. Eu desloquei a mim mesmo para outra função que eu achava que tinha mais a ver e contratamos outro chefe de reportagem. A passagem do Evandro pela TV Globo foi sem dúvida muito boa para o jornalismo da TV, não necessariamente pelas pessoas que ele levou do jornalismo impresso, mas devido a uma nova mentalidade de apuração e rigor que ele trouxe. Algumas pessoas do jornalismo impresso se adaptaram muito bem e outras não. E pessoas que estavam lá na TV que eram formadas pela velha escola da TV Globo, que estavam acomodadas ou mal aproveitadas, também se beneficiaram dessas mudanças da “Era Evandro”. Então, eu não gostaria de dizer que nós viemos dos jornais para ensinar o pessoal de TV a fazer televisão. Não foi isso o que aconteceu. Pelo contrário, eu aprendi muito com o pessoal de televisão. E foi uma experiência muito legal. Embora não tenha durado tanto. Um ano e meio depois eu não agüentava mais aquilo porque era um pouco mais intenso do que eu estava disposto a encarar na época. Ficava lá praticamente do sol raiar até meia noite todos os dias. Tanto que eu me casei ali dentro, como quase todo mundo. Você não tinha vida alguma fora daquilo. E durante um tempo era muito divertido que fosse assim. A TV é um meio muito poderoso, até quase assustador. Ele é muito imediato. Você trabalha com adrenalina no alto o tempo todo, tendo que entrar no ar antes de ter a coisa pronta. E como chefe de redação, eu respondia pelos jornais locais e pelos de rede, com a parte do Rio que contribuía para eles. Então na prática, isso significava que eu tinha que saber tudo que rolava desde o Bom Dia Rio até o Jornal da Globo, o que é uma completa impossibilidade. Tem como você acompanhar por alto, mas não tem como antecipar todos os problemas. Fazer jornalismo de TV era uma coisa que não combinava tanto assim com o meu jeito. Eu agüentei muito bem. Muito feliz por um ano, muito infeliz por mais meio ano e saí. E nunca mais trabalhei com televisão. Eu entrei por cima, digamos assim, não fui subindo degrau por degrau na hierarquia do jornalismo televisivo, não precisei colocar a mão na massa para nada, era um trabalho mais de coordenação do trabalho de todos. Eu entrava nas ilhas e mexia nas edições, mas eu nunca fui repórter de rua, nunca fui produtor de TV. Com certeza, o meu trabalho não está ligado à imagem mesmo.

Pegando gancho no jornalismo literário, você se considera um escritor antes mesmo de ser um jornalista?

Eu me considero sim, porque na verdade eu fui fazer Jornalismo não porque eu tivesse um sonho especial de ser jornalista, mas porque eu queria ser escritor, e por alguma razão, quando eu comecei a pesquisar cursos, eu achei que Letras não ia me ajudar em nada nesse projeto de ser escritor, mas o Jornalismo poderia fazer isso. Eu achei, e depois vi que estava certo. O Jornalismo seria muito mais dinâmico e muito mais vivo que um curso de Letras. Eu não estava tão interessado em estudar literatura. Eu tinha medo que isso embalsamasse um pouco a literatura para mim. O engraçado é que eu pensei isso com 15 anos de idade, sem saber nada de nada. E acho que acertei muito. Conheço pessoas que foram pela área de Letras, mas eu acho que é uma área que realmente não teria combinado comigo e obrigatoriamente teria me levado para uma carreira acadêmica. O jornalismo ajudou muito. Eu me considero escritor antes de ser jornalista porque de fato eu era. A adolescência inteira eu passei escrevendo contos. Escrevia contos para concursos, ganhei alguns, e fiquei muito animado com aquilo. Eu achava que aos 20 e poucos anos já teria um livro publicado. O projeto era esse. Acabou não sendo assim muito por conta da coisa fascinante, absorvente e exigente que era o jornalismo. Mas eu nunca deixei de escrever. O projeto de escrever livros de literatura nunca foi abandonado, mas ele ficou em segundo plano durante muito tempo. O tempo em que o jornalista tomou conta de tudo. E eu só consegui, só quis retomar aquele projeto de literatura com 37 anos. Já tarde e quando a minha carreira de jornalista tinha se firmado. Pela primeira vez, eu me sentia seguro para fazer outras coisas e começar a abrir mão de certos trabalhos que eu achava que iam tomar tempo demais. Isso vem junto com meu casamento, meu primeiro filho. É como se fosse assim: “agora eu posso sossegar”. O jornalismo não me deixava sossegar até então. Já estou com cinco livros desde aquela época. Eu acho que o jornalismo ajuda muito dependendo de como você lida com ele. Eu conheço vários jornalistas que tentaram fazer essa passagem para a literatura e quebraram a cara. Você não pode achar que basta trocar a apuração pela imaginação, sentar em frente à máquina e escrever o mesmo texto que você escreveria. É outra voz, outra linguagem, é outro tudo. Mas se você tiver consciência disso e conseguir encontrar essa outra voz, o jornalismo só ajuda. Primeiro porque escrever todos os dias, o que quer que seja, o gênero que for, é um exercício e é sempre bom. Você vai escrevendo cada vez melhor quanto mais escreve. Então, não vejo como isso possa atrapalhar. E segundo, porque o jornalismo me tornou uma pessoa menos provinciana, mais esperta, que entende mais das coisas, como funciona o mundo e a sociedade, o que talvez seja até o mais importante. Na época de repórter, eu podia estar, no mesmo dia, numa favela para visitar um traficante e numa recepção de luxo, vestindo Black Tie, no Copacabana Palace. Você é jogado dentro de muitas contradições, o que não acontece com uma pessoa de outra carreira. O jornalismo dá acesso a muitas coisas e eu acho que isso é fundamental não para o texto em si, mas para uma visão de mundo, que eu acho que é uma coisa que o escritor precisa ter. Um escritor muito provinciano, muito fechado no seu próprio círculo de relações vai ter mais dificuldade para fazer uma coisa realmente interessante.

Tem alguma história marcante do jornalismo que você tenha levado para a literatura?

Diretamente não porque eu trabalho pouco com coisas reais, com memórias. Agora, indiretamente deve ter um monte, mas eu não saberia te dizer. Eu conheci pessoas que eu não teria conhecido se não fosse pelo jornalismo. Estive em situações que eu não teria estado se não fosse um jornalista. Então, eu acho que deve ter muita coisa. Porque na ficção você trabalha muito com fragmentos de pessoas e coisas.

Como é conciliar a atividade de escritor com a de jornalista e crítico literário? Dá pra separar tudo? Você não se torna um pouco “telhado de vidro”?

Eu nunca paro para pensar muito nisso não. Eu tento seguir uma ética anglo-saxônica. Nos EUA e na Inglaterra é muito comum escritores consagrados que são também críticos criticarem o trabalho de colegas. Aqui, isso é uma coisa mais complicada. A gente tem essa lógica das amizades, do homem cordial. Então, se você ataca ou faz algum tipo de ressalva no livro de uma pessoa que você conhece, ela pode se melindrar de uma forma que talvez não devesse. Então, é um pouco complicado sim, mas eu tento não deixar que isso interfira muito no meu trabalho. Mas eu não me considero critico literário. Eu sou um jornalista que fala de literatura. Eu nunca tive essa ambição de ser critico. Eu acho que eu teria que ler outro tipo de coisa se eu tivesse essa ambição. Eu faço criticas eventuais de livros porque eu sou um leitor. Eu li o suficiente para fazer essas criticas. Mas eu tenho certo pudor de me chamar assim. E eu não acho tão difícil conciliar o trabalho de escritor com o de jornalista de literatura. Na verdade, eu até busquei essa contradição que existiu um dia entre jornalismo e literatura. Eu fui tentando fazer uma aproximação dos dois. Caminhar para o jornalismo cultural foi o primeiro passo no sentido de aproximar essas áreas, que nos últimos anos se aproximaram ainda mais com o blog. Ali, eu sou escritor tanto quanto jornalista. Uma coisa se mistura muito com a outra no meu blog Todo Prosa. E é para se misturar mesmo. Eu gosto dessa fusão. E no meu último livro, que tem duas vozes, há a voz de um jornalista. Uma coisa que até então não tinha aparecido nos meus livros de ficção. É como se eu estivesse derrubando o muro entre esses dois para ver o que sai.

Na escola de jornalismo a gente acaba aprendendo a dividir essas duas áreas e não a conciliar...

Mas elas são divididas mesmo. Há o trabalho de criar pontes entre as duas. As pontes são sempre interessantes, não só pro jornalismo. Eu acho que uma ponte da literatura para qualquer área é uma coisa boa. Mas você tem que construir mesmo, tem que construir deliberadamente porque é natural que haja essa separação.

E como é ser um escritor num país onde se lê muito pouco?

Não é com certeza o melhor país do mundo para ser escritor, mas também não é o melhor país do mundo para ser jornalista ou para qualquer pessoa que lide com a palavra escrita. A educação brasileira é uma tragédia, não só a pública, mas principalmente ela. É uma lástima. O país ia melhorar muito se fizessem uma revolução na educação, não só na área de quem escreve. Ia melhorar como um todo, eu acho. E tenho esperança de ainda vivo ver alguma coisa nesse sentido, mas não é uma esperança muito grande. E também acho que escritor não chega nem exatamente a ser uma profissão. É uma atividade, um oficio, mas é muito difícil transformar isso numa profissão. Transformar isso numa profissão no sentido de ser uma coisa completamente auto-sustentável não é fácil em nenhum lugar do mundo, eu acho. É como se você estivesse oferecendo um produto no qual a oferta vai ser sempre maior que a procura. Esse meio tem um darwinismo muito acentuado, a sobrevivência do mais forte. Agora, é uma coisa que você faz porque você tem que fazer por alguma razão misteriosa. Se você parar pra pensar no tempo que você esta gastando com aquilo e comparar com os benefícios, com o que você está tirando dali, e eu não falo só da questão financeira, mas de recompensas em geral, a tentação de desistir e fazer outra coisa é muito grande. Mas eu acho que como qualquer atividade artística, e a literatura é uma arte, você faz porque você tem que fazer, você quer fazer, sabe fazer e aquilo te dá um prazer tão grande que você não tem escolha.

Qual seria o papel do jornalismo literário para ampliar a produção de livros no Brasil? Você vê o jornalismo com algum papel fundamental nessa questão?

Claro, eu acho que sim. Eu acho que é fundamental. E eu acho que nesse sentido a internet tem sido uma ótima notícia para a literatura mais no sentido da divulgação, da cobertura, das redes de afinidade que se formam em torno de certo autor etc, do que no sentido de um escritor poder publicar as suas coisas facilmente. Realmente pode, mas o beneficio de um escritor poder publicar tão facilmente e rapidamente como se publica num blog, eu acho que é um beneficio meio questionável. Publicar cedo demais, prematuramente, talvez não seja muito bom para um escritor, mas eu não sei. De qualquer maneira, esse jornalismo de literatura que está rolando hoje é mais espontâneo e está suprindo, de certa forma, uma lacuna deixada por uma grande imprensa, que o trata cada vez pior. O espaço esta diminuindo na grande imprensa. Em compensação, ele está crescendo muito no ambiente virtual. Tem coisas ótimas, tem coisas horríveis, mas tem uma efervescência, uma agitação que simplesmente não existia.
Você precisava dos canais tradicionais para falar sobre literatura ou então você ia pro bar falar para os seus amigos. Os sites, os blogs, o twitter, enfim, agem como intermediários. É como se fosse um meio termo entre falar com os amigos e publicar num jornal. E é uma coisa muito efervescente. Eu acho que está se falando de literatura como nunca se falou e isso terá conseqüências muito boas. Já está tendo e vai ter ainda mais em termos de formação de leitores.

Então vc considera a internet um espaço de ampliação da cultura escrita? Você é otimista em relação às novas mídias?

Sem dúvida. Eu sou otimista. Eu acho que as pessoas mais apocalípticas em relação a isso se baseiam muito nessa linguagem do MSN, no qual as pessoas escrevem mal ou escrevem qualquer coisa, que não tem nem revisor. Como se isso fosse um grande problema. Eu vejo pelo lado oposto, eu vim de uma época em que a cultura escrita estava perdendo o prestígio, que não é de hoje que ela o perde. E o grande inimigo da leitura era a televisão, não era a internet. E a televisão é um meio completamente não escrito. Então fazia muito mais sentido você achar que a palavra escrita estava ameaçada a 30 anos atrás do que faz hoje. A palavra escrita vive um renascimento evidente com a internet. Ela é a base principal da linguagem da internet. A imagem se subordina a ela na maioria das vezes. E se aquilo ali está bem ou mal escrito, já é outra questão. Tem coisas extremamente bem escritas na internet, não é proibido escrever bem no computador. Então, por conta disso, eu acho que a palavra escrita e conseqüentemente a leitura estão vivendo um momento muito mais interessante do que viviam há 30 anos. Não vejo porque ser pessimista num momento desses.

Que autores te marcaram mais fortemente na literatura? Quem são suas influências literárias?

É muita gente. Não tem uma influência que eu possa destacar como principal. Mas, naquela época de garoto, quando eu resolvi virar escritor com uns 13 anos de idade, uma idéia que podia não ter dado em nada, eu lembro que eu estava lendo o Erico Veríssimo inteiro. Meu pai tinha uma coleção dele na estante. Eu cresci vendo aqueles livros e um dia resolvi abrir para ver o que era aquilo. Acho que o Erico Veríssimo não é exatamente uma influência, mas eu comecei a escrever por causa dele. Então, acho que é justo citá-lo. Com o passar dos anos, eu comecei a ler muitos contistas brasileiros. Era na década de 70, uma época em que se vivia uma febre de contos, contistas de Minas Gerais principalmente. Eu sou de Minas e achava que eu seria o próximo da lista. Eu lia muito Sergio Santana, Luis Vilela. São pessoas que de alguma forma ficaram também como influência. Na época da faculdade, eu imitava o Rubem Fonseca, ele era uma influência muito forte para a minha geração inteira. Depois veio uma coisa de literatura policial americana, que eu acho que foi uma influência forte também. Eu acho que a minha literatura tem um pouco de gênero policial, embora eu nunca tenha feito e nem ache que vá fazer um romance policial. Mas os elementos de histórias policiais sempre estão presentes de alguma forma. Eu acho que veio muito disso ai, Rubem Fonseca, Hamlet. Já tinha lido muito de Sherlock Homes, um pouco de Agatha Christie, quando mais jovem. Veio uma abertura maior para coisas que hoje me interessam até muito mais do que isto tudo que eu acabei de falar que são autores que eu gosto tanto que até hoje eu leio e releio, que de alguma forma devem estar presentes também: Machado de Assis, Mario Rosa, Borges, Calvino e Vladmir Nabokov. São autores que eu nunca parei de ler e acho que nunca vou parar. Escritores que não se esgotam para mim. Mas também não acho que tenha nada assim: “isso aqui eu fiz por causa do Nabokov”. São coisas mais difusas, mas que com certeza tem influencia.

Você acha que estamos vivendo um ambiente de efervescência literário com autores como Daniel Galera e Bernardo Carvalho? Há uma nova geração literária despontando?

O Bernardo e o Galera são de duas gerações diferentes. O Bernardo é da minha geração. É até um pouco mais velho que eu, eu acho. E o Galera é de uma geração ultra nova. O que eu acho que aconteceu, não no tempo dos primeiros livros do Bernardo nem no tempo do meu primeiro livro, mas logo depois disso, foi que o mercado editorial começou a se interessar muito por novos autores brasileiros. Isso de 2001 pra cá, talvez. E agora já está acabando essa sopa. Eu acho que de 2001 até 2008 nunca foi tão fácil para um estreante publicar um livro por uma editora, talvez até uma editora grande. Porque existia uma espécie de caça ao gênio do futuro. E há uma quantidade muito grande de autores, de propostas, de escolas, de jeitos de fazer. Não acho que dê, pelo menos por enquanto, para achar coisas em comum entre essas pessoas. Porque o que eu vejo é muito mais uma diversidade. Apesar de serem pessoas da mesma idade, eu acho que são coisas muito diferentes o que elas fazem.
O Galera é um escritor quase clássico, tem um trabalho que lembra muito mais um pessoal mais velho do que o pessoal da geração dele, que em muitos casos tem uma escrita mais automática, mais suja. Então, não acho que tenha muito a ver procurar definir uma geração. Definir geração é uma coisa muito melhor quando você olha para trás depois que o tempo passa, e quem realmente tinha que ficar fica e outros são esquecidos. Aí é mais fácil você encontrar traços em comum. Acho que no momento em que as coisas estão acontecendo, é muito complicado, a não ser como estratégia de marketing. Você junta uma turma e diz: nós somos os novos fulanos e o que nos distingue é o fato de que nós escrevemos com caneta tinteira em papel higiênico. E ai você cria uma escola, ou tenta criar a força um movimento, o que às vezes é muito bom para ganhar matérias na imprensa, porque a imprensa cultural às vezes é muito boba para essas coisas. Mas isso é marketing, não é exatamente literatura. Então não vejo muito benefício em ficar procurando coisa de geração. Mas eu acho que nós estamos num momento curioso. Você pode dizer que não estamos num momento de grandes livros, mas eu acho que é a véspera dele. Agora, sobre o conceito sociológico, acho que você não precisa ter conceito sociológico nenhum para escrever. Se o livro for bom, os outros que descubram os conceitos dentro dele. Acho que a lógica de um livro é sempre interna. Por mais que você use elementos, às vezes até de pesquisa como eu usei no meu último livro, com trechos jornalísticos, a lógica dele é sempre interna. A verdade dele está sendo construída ali dentro. Ao contrário de uma tese sociológica que tem que estar referenciada numa coisa externa, que tem que ser fiel a uma coisa externa. O que ela tem de elaboração intelectual e conceitual simbólica tem que se legitimar numa relação com algo que lhe é exterior. Ao contrário da literatura, que só se legitima ali dentro ou não se legitima mais. A pior coisa que tem é escritor que explica livro. Ou o livro dá o recado dele até a última página ou não dá mais, ele fracassou. Não estou dizendo que todo escritor ficcionista é um intuitivo ou que quanto menos souber melhor. Tem muita gente que vai por esse pensamento, mas eu não penso assim. Eu acho muito perigoso quando se começa a julgar literatura por critérios que não são literários.

Conte-nos um pouco mais sobre o contexto de criação dos seus dois livros “O homem que matou o escritor” e “As sementes de flowerville”.

“O homem que matou o escritor” foi meu livro mais demorado de fazer. Era o primeiro, e no primeiro você sempre tem, ou pelo menos eu tinha, um desejo de dizer tudo da forma mais perfeita possível. Eu tinha uma cobrança muito grande. Não é nem que eu tenha demorado a publicar, eu demorei foi a escrever mesmo. A minha autocrítica é muito grande e talvez ela tenha até atrapalhado nesse começo. Autocrítica é fundamental, sem ela você não faz nada que preste, mas você tem que ter controle, senão ela não te deixa fazer nada e te paralisa. O livro tem cinco contos, eu escrevi mais ou menos um conto por ano. Eu cheguei a sete contos, mas dois foram rejeitados no livro final, então ele deve ter demorado uns sete anos para ser feito. E um conto por ano é obviamente ridículo para um escritor, mas eu era um jornalista que deixava o livro para as horas vagas. É um livro que eu gosto muito. O fato dele se chamar “O homem que matou o escritor” é uma certa piada com o conflito que eu falei. Era uma forma de exorcizar aquilo. O jornalista tinha tentado matar o escritor e eu ia provar que ele não tinha conseguido, fazendo o título inverso. É um livro bastante metalingüístico. Acho que ele poderia ser incluído na categoria pós-moderna, que é uma palavra meio gasta, mas eu acho que ainda serve para explicar alguma coisa. Um certo tipo de literatura que trabalha com alguma referência, com discursos que ficaram cristalizados em outras épocas. É um livro que fez relativo sucesso para um livro de estréia, ainda mais sendo de contos. Chegou à segunda edição e teve uma cobertura muito grande. Depois disso, tiveram o “Manual do Mané” e “What lingua is esta?”. E o segundo livro de ficção acabou demorando um pouco também e só foi sair em 2006. É um romance pequeno, chamado “As sementes de flowerville”. Eu acho bastante engraçado esse livro. De certa forma, é um livro menos ambicioso do que “O homem que matou o escritor”. É um livro mais leve, mais brincalhão, como se fosse uma história em quadrinhos em forma de texto corrido. Tem até uma epígrafe do Neil Gaiman para deixar isso mais claro para o leitor. E é um livro que tenta, por baixo de toda essa despretensão e leveza, ritmo ágil e personagens meio caricaturais de histórias em quadrinhos, fazer uma reflexão sobre o Brasil, sobre o que foi feito de nós. Que vida é essa que nos levou a viver trancados em condomínios com os miseráveis do lado de fora. E para explicar isso ele volta até a ditadura. É um livro mais sério do que parece, mas que não foi levado tão a sério quanto eu acho que deveria pela crítica. Algumas pessoas entenderam muito bem o livro, mas eu acho que a maioria não. E em março deste ano, saiu o “Elza, a garota”. Este é um romance de fôlego maior. Eu acho que no “Flowerville” eu ainda estava aprendendo a fazer romance. Eu queria passar do romance, fazer uma historia de fôlego maior e “Flowerville” serviu como aprendizado, como laboratório para isso. Mas ele é um romance pequeno, talvez até uma novela. O livro tem 130 páginas. O “Elza” tem umas 240 páginas e acho que dá para dizer que é o meu melhor livro até agora, o mais maduro. Ele é o meu livro favorito. Estranhamente, ele nasceu com uma encomenda da editora, não era um projeto meu. A Nova Fronteira me encomendou um livro reportagem sobre a história dessa menina que foi assassinada pelo partido comunista em 1936. Ela era do partido, foi suspeita de traição e foi assassinada. A editora achava que tinha ali uma história legal, dramática, mas eu transformei aquilo num romance. E talvez até por conta da encomenda e por estar trabalhando com um episodio histórico, acabou acontecendo, pela primeira vez, uma fusão entre o jornalista e o escritor. Agora eles não tentam mais se matar como no primeiro livro, mas estão tentando conviver pacificamente.

Vc foi colunista e diretor da extinta revista online “No mínimo”, como surgiu esse trabalho?

O “No mínimo” tem uma história interessante. Eu acho que ele só foi possível devido a decadência da imprensa tradicional, que foi deixando cada vez mais de fora do seu círculo profissionais excelentes. Num tempo de mercado saudável seria impossível fazer isso. Ali você tinha grandes nomes do jornalismo brasileiro que num momento de mercado saudável estariam em outros lugares ganhando muito mais. Só que eles próprios foram se afastando, ao mesmo tempo em que eram afastados. A idéia de se ter um projeto fora desse ar viciado da grande imprensa começou a seduzir as pessoas. “No mínimo” era em parte uma ação entre amigos e devido ao certo clima de cooperativa que tinha entre as pessoas que trabalhavam ali ele era bom. Tiveram a esperteza e a sabedoria de reunir isso e apresentar um projeto visual de maneira mais simples possível, mais limpo possível. Ele é um filho do “No ponto”, que era uma coisa muito mais ambiciosa, que foi feito na época da bolha da internet, em que o mundo acreditou que a internet era uma mina de ouro, sei la por quê. Uma época completamente louca, em que as ações de todas as empresas de internet dispararam, ao mesmo tempo em que caiam as ações de empresas de mídia tradicional. O erro dessa época em que muita gente perdeu dinheiro e quebrou a cara foi achar que o que a internet tinha de promessa a longo prazo ia se realizar em um ou dois anos. E no momento em que eles perceberam que não ia se realizar nesse curto espaço de tempo, o dinheiro foi embora e aquilo tudo ruiu. Isso aconteceu com o “No ponto”, que era uma revista virtual, bem semelhante ao “No mínimo”, só que muito maior, muito mais rica e com muito mais gente, com funcionários contratados com salários superiores ao da imprensa tradicional. E quando a bolha estourou e acabou o “No ponto”, uma parte dos jornalistas que estavam lá resolveram fazer esse esquema num tom menor, com menos ambição, sem sair assinando a carteira de todo mundo, com um esquema de colaboradores externos e aí nasceu o “No mínimo”. Eu não participei de nada disso. Quer dizer, no “No ponto” eu fui colaborador, comecei algumas coisas lá, mas na época eu trabalhava no O Globo. E no “No mínimo”, eu entrei um pouco depois que ele nasceu porque eu era amigo de todas essas pessoas que estavam lá, eu era dessa mesma turma. Eu entrei como colunista. Mandava um texto uma vez por semana, como mandava o Zuenir Ventura, Arthur Dapieve e todo mundo. Mas logo eles sentiram necessidade de mais alguém ali para ajudar a fechar e eu virei editor executivo. O meu vínculo com o “No mínimo” aumentou. E isso aconteceu com menos de um ano de eu ser colunista. Então de 2004 a 2007, que foi quando acabou o site, eu fui colunista e editor executivo.

Vc considera que o futuro do colunismo esteja em blogues? Dá pra fazer literatura pelos blogs?

Eu acho que isso está acontecendo. Acho que a internet ainda precisa amadurecer, ela ainda está um pouco verde em termos de negócios, de sustentação. É uma coisa que a gente ainda está experimentando, mas está crescendo, está melhorando. O meu blog é um blog profissional. Eu sou colunista do IG, onde está o “Todo prosa” hoje. E eu acho que essa uma tendência vai ficar cada vez mais forte. Pelo menos, eu espero porque é um mercado de trabalho fundamental num momento em que a imprensa tradicional está muito estagnada. Na melhor das hipóteses ela está parada, na pior das hipóteses ela está em decadência. E eu acho que a internet vai ocupar esse espaço cada vez mais. Ela já esta ocupando.

Você sentiu muita diferença da linguagem que utilizava nos jornais para a linguagem que utiliza no seu blog? Há grandes diferenças entre escrever nesses dois meios?

Eu acho que não é mais diferente do que transitar de jornal pra revista, ou de revista para assessoria de imprensa, ou de TV para rádio. Tem adaptações que você faz na linguagem, mas eu não acredito que uma pessoa saiba escrever só para uma delas. Ou a pessoa sabe escrever para todas ou não sabe escrever para nenhuma. É claro que tem uma adaptação, mas é uma adaptação relativamente fácil. Eu fui parar no “No mínimo” como quase todos os outros que foram para lá, com a mesma cabeça de jornalismo de jornal que nós tínhamos. E na verdade não era muito diferente. O tamanho dos textos era variável, o que era ótimo não ter espaço fixo para preencher. Essa era uma diferença que a gente achou de cara muito boa. Essa coisa do espaço virtual ser maleável foi muito legal. A coisa da interatividade, que eu acho que é uma diferença muito grande, o leitor muito mais presente, se “metendo” no que você faz é uma coisa que no começo não existia. A gente recebia emails dos leitores como se fossem cartas, mas ele não tinha espaço no site. Isso foi uma coisa introduzida aos poucos. Isso é uma mudança grande. Mas acho que são coisas boas, não tem nenhum mistério. Você poder remeter o seu leitor para outro texto que esta lá fora. Isso só ajuda, só acrescenta. Se você estivesse falando daquele outro texto ali no jornal, você ia ter muito mais trabalho para traduzir o texto para o leitor porque ele não ia ter acesso ao texto ali na hora. Você ia perder muito mais tempo e espaço do seu texto para explicar o outro que você queria citar. E na internet você pode simplesmente citar e dar o link, e quem quiser saber mais sobre aquilo que vá atrás. Eu acho uma linguagem fascinante. E a coisa do leitor estar muito presente é um aborrecimento terrível, mas às vezes é muito bom. Acho que é algo com o qual a gente tem que viver. Alguns jornalistas da velha geração não se deram muito bem com a interatividade. É um ambiente muito mais desrespeitoso do que eles estavam acostumados. Qualquer imbecil chega lá e diz uma barbaridade e você não pode cortar, se não você vira o censor. Então você tem que ter uma casca meio grossa para agüentar. Mas também por outro lado, tem os leitores que corrigem a informação que você dá errado ou te dão idéias, e conversam com você e te dão um novo ponto de vista de alguma coisa. É uma nova forma de lidar com a coisa. Então, quem já entrar conhecendo a internet, não vai sentir nenhum problema de adaptação. Essa coisa de jornalistas que nunca se deram bem com a interatividade é de gente de outra época, da velha guarda, do tempo que a palavra do jornalista tinha muito mais autoridade e o leitor, se quisesse reclamar, tinha que mandar uma carta que talvez ele nem abrisse, talvez ela fosse direto para o lixo.

Como você analisa fenômenos como o jornalismo cidadão e qual o papel do jornalista em um ambiente totalmente alterado pelas mídias digitais?

Isso é uma questão bem complexa. Eu não acredito muito em jornalismo cidadão. Eu vejo mais populismo nisso do que uma tendência real. Não estou falando de diploma aqui, mas eu acredito em profissionalismo. Vindo da área que vier, algumas pessoas sabem escrever, têm o que dizer, têm informações e outras não têm. O que eu acho que a internet faz é dar uma chance muito maior e muito mais concreta para as pessoas que sabem e que têm o que dizer. A internet permite que elas tenham acesso aos veículos e meios que elas não tinham. E se elas forem boas realmente elas vão se firmar e vão ganhar uma audiência. Alguém vai parar para ouvi-las. Isso eu acho ótimo. Agora, no momento em que esse cara consegue isso, ele é um jornalista, ou ele é um escritor, ele é um profissional de comunicação tenha estudado na faculdade de comunicação ou na de enfermagem. A gente está caminhando para uma overdose de informação muito rapidamente e eu acho que é necessário um filtro para o que está sendo dito. Eu não acredito na capacidade desse caos se autogerenciar. Eu acho que esse caos precisa de um gerente e nós somos o gerente. Não é reserva de mercado não. Não é só ter carteirinha de gerente que vai ser gerente. Qualquer um pode ser. Mas no momento que ele passa a ser gerente, ele deixa de ser cidadão e passa a ser o jornalista, o escritor, o produtor de conteúdo, o editor. Acho que a figura do editor é até melhor na internet. Alguém tem que editar aquela zona. E eu não acredito que só aquelas redes sociais façam esse papel sozinhas. Eu acredito numa mediação consciente disso aí. Eu acho que esse vai ser o papel do jornalista. Agora, isso tudo ainda é um processo muito verde, a gente está tentando ver tendências. Mas eu não acho que a internet vá tornar o profissional de comunicação obsoleto, muito pelo contrário. Acho que ela vai dar muito trabalho para ele. As coisas que se referem à internet eu tendo a ver com otimismo. Mas para quem acha que a web vai se autogerir e que qualquer um vai produzir seu próprio conteúdo, a minha visão é profundamente pessimista. Eu não acredito nisso. E eu acho que os portais que tem suas seções pedindo que os leitores mandem suas notícias e fotos são muito mais para puxar o saco do leitor do que qualquer coisa. Eu acho que é muito mais populismo do que outra coisa.

Que tipo de conselho você daria para o estudante que vai para o mercado agora? Você acha que o mercado das mídias tradicionais está fechado para os novos profissionais?

Eu não sei se o mercado tradicional está fechado para os novos profissionais. Eu acho que ele está fechado para todos. Há muitos anos o O Globo é um jornal que só se abre se alguém morre. Sai-se do O Globo para ir direto para o cemitério. É um jornal que já está satisfeito com o que ele tem e que é extremamente conservador nessa política de RH. E ele não era assim. Era um jornal que demitia muito, isso quando eu comecei a trabalhar. De vez em quando ele mudava tudo. Era um jornal muito inquieto. E hoje, é o extremo oposto. É quase uma mentalidade de funcionalismo público. Você arruma um lugar ali e fica. E a gente esta falando do O Globo porque é um grande mercado de jornal do Rio. Eu acho que o mercado está fechado sim e eu não vejo possibilidade de abertura nem a curto nem a médio prazo. E o meio virtual é o grande caminho. Meu conselho é esse: comecem a procurar coisas virtuais, porque elas estão acontecendo, estão aparecendo e em algum momento isso vai se profissionalizar mais. Até porque ela é um meio tão flexível e tão barato que você pode começar o seu próprio lance. Se você não conseguir nada em lugar nenhum, mas tiver uma boa idéia e tiver certa ousadia para se lançar, você pode ter o seu blog feito em casa. Pode fazer uma coisa que rapidamente vire um trabalho. As pessoas estão comprando blogs e eu acho que vale a pena investir nisso, a não ser que o cara tenha o sonho de fazer televisão ou rádio. As coisas existem ainda, mas o que vai crescer mais e onde aparecem mais oportunidades é na internet, com certeza.

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